“E eu, em verdade, vos batizo com água, para o arrependimento; mas aquele que vem após mim é mais poderoso do que eu; cujas alparcas não sou digno de levar; ele vos batizará com o Espírito Santo, e com fogo” (Mateus 3:11)
O Senhor batiza com o
Espírito Santo e com fogo. Que ‘fogo’ é este?
Segundo a hermenêutica bíblica
(prática da interpretação das Escrituras Sagradas) há fatores importantes que
devem ser levados em conta quando analisamos o texto sagrado. Conhecer o ‘autor’,
o ‘porque escreveu’ e o ‘para quem escreveu’, são ferramentas valiosíssimas
para uma boa compreensão do texto. No intuito de se preservar a ortodoxia dos
ensinamentos bíblicos, desenvolveu-se na hermenêutica bíblica, uma série de
regras para “nortear” o estudo da interpretação. Vamos analisar, então, o texto
de Mt 3:11 segundo as três principais leis da hermenêutica sacra: A Lei do
contexto, a Lei dos textos paralelos e a Lei do autor.
1. Lei do
contexto – O contexto é o "lugar" onde o versículo em questão está inserido;
qual o tema ou assunto que está sendo abordado nos versículos anteriores e
posteriores ao texto em estudo (é o que costuma-se chamar de contexto imediato). Algumas vezes, para um melhor entendimento do
contexto é necessário analisar todo o capítulo, ou todo o livro em que o
versículo está inserido. Outras vezes a Bíblia como um todo é o contexto que
deve ser levado em consideração. Costuma-se dizer que “um versículo deve
concordar com toda a Bíblia e toda a Bíblia deve concordar com um versículo”.
Vamos analisar o contexto de Mt
3:11
v.1 - E, naqueles dias,
apareceu João o Batista pregando no deserto da Judéia,
v.2 - E dizendo:
Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus.
v.5 - Então ia ter com ele
Jerusalém, e toda a Judéia, e toda a província adjacente ao Jordão;
v.6 - E eram por ele
batizados no rio Jordão, confessando os seus pecados.
v.7 - E, vendo ele muitos
dos fariseus e dos saduceus, que vinham ao seu batismo, dizia-lhes: Raça de
víboras, quem vos ensinou a fugir da ira futura?
v.8 - Produzi, pois,
frutos dignos de arrependimento;
v.10 - E também agora está
posto o machado à raiz das árvores; toda a árvore, pois, que não produz bom
fruto, é cortada e lançada no fogo.
v.11 - E eu, em verdade,
vos batizo com água, para o arrependimento; mas aquele que vem após mim é mais
poderoso do que eu; cujas alparcas não sou digno de levar; ele vos batizará com
o Espírito Santo, e com fogo.
v.12 - Em sua mão tem a
pá, e limpará a sua eira, e recolherá no celeiro o seu trigo, e queimará a
palha com fogo que nunca se apagará.
Vemos por estes textos que João
Batista surgiu no deserto, pregando o arrependimento e batizando todos da
Judéia e circunvizinhança. O texto em estudo (v.11) faz parte do discurso de
João Batista. O que motivou este discurso onde o texto em questão está inserido?
A resposta encontramos no versículo 7:
v.7a - “E, vendo ele
muitos dos fariseus e dos saduceus, que vinham ao seu batismo, dizia-lhes...”
O motivo que levou João Batista a
pronunciar tais palavras foi a presença dos fariseus e saduceus.
E qual foi o teor de sua
mensagem? Foi, claramente, uma advertência sobre a necessidade de real
arrependimento e as conseqüências do não arrependimento.
v.7b – “...Raça de
víboras, quem vos ensinou a fugir da ira futura?
v.8 – “Produzi,
pois, frutos dignos de arrependimento”
v.10 – “E também agora
está posto o machado à raiz das árvores; toda a árvore, pois, que não
produz bom fruto, é cortada e lançada no fogo”
A árvore que não produz
bom fruto (o fruto digno de arrependimento – v.8) é cortada e lançada no fogo
(indiscutivelmente o fogo do juízo, para onde vão todos os que não se
arrependem do seu pecado)
Em seguida, João Batista
contrasta a natureza do seu batismo, com a natureza do batismo de Cristo e,
contrasta a natureza do batismo para os arrependidos, com a natureza do batismo
para os não arrependidos...
v.11 - E eu, em
verdade, vos batizo com água, para o arrependimento; mas
aquele que vem após mim é mais poderoso do que eu; cujas alparcas não sou digno
de levar; ele vos batizará com o
Espírito Santo, e com
fogo.
João contrasta a natureza física
de seu batismo (com água), com a natureza espiritual do batismo de Jesus
(com o Espírito). E contrasta a natureza do batismo para os arrependidos
(com o Espírito Santo) e a natureza do batismo para os não
arrependidos (com fogo).
Cristo é quem batizará os
arrependidos com o Espírito Santo e é, também, quem batizará os não arrependidos
com fogo (fogo de juízo; de condenação).
Confirmando esta verdade temos o
versículo seguinte...
v.12 - Em sua mão
tem a pá, e limpará a sua eira, e recolherá no celeiro o
seu trigo, e queimará a palha com fogo que nunca se apagará.
Cristo tem a pá em sua mão. Ele
mesmo recolherá o seu trigo (os arrependidos) e, Ele mesmo queimará a palha (os
não arrependidos) no fogo que nunca se apaga (fogo de tormento eterno – Ap
20:10-15).
Com isto, concluímos que há uma clara conexão no contexto imediato. Quando atribuímos o significado de 'juízo' ao 'fogo' no versículo 11, temos plena harmonia com os versículos 7, 8, 10 e 12.
Analisaremos agora segundo a lei
dos textos paralelos.
2. Lei dos
textos paralelos – Esta lei define que um texto deve ser interpretado com o
auxílio de outros textos que tratam do mesmo assunto.
Pela lei do contexto chegamos a
conclusão que o “fogo” trata-se do fogo do juízo, levando-se em conta
que o discurso de João Batista foi uma advertência dada, principalmente, aos
fariseus e saduceus. Vamos analisar esta questão verificando os textos
paralelos deste episódio: Mc 1:4-8; Lc 3:2-3, 6-9, 16-17 e Jo 1:29-33.
Em Mc 1:4-8 temos:
v.4 – Apareceu João
batizando no deserto, e pregando o batismo de arrependimento, para remissão dos
pecados.
v.5 – E toda a província
da Judéia e os de Jerusalém iam ter com ele; e todos eram batizados por ele no
rio Jordão, confessando os seus pecados.
v.6 – E João andava
vestido de pêlos de camelo, e com um cinto de couro em redor de seus lombos, e
comia gafanhotos e mel silvestre.
v.7 – E pregava, dizendo:
Após mim vem aquele que é mais forte do que eu, do qual não sou digno de,
abaixando-me, desatar a correia das suas alparcas.
V.8 – Eu, em verdade,
tenho-vos batizado com água; ele, porém, vos batizará com o Espírito Santo.
Notem que o evangelista Marcos não cita a presença dos fariseus e saduceus, nem tampouco traz a
pregação de advertência descrita em Mateus 3:7-10,12. Marcos deu ênfase a
mensagem pregada aos arrependidos, logo, apenas contrastou a natureza de seu
batismo, com a natureza do batismo de Cristo:
V.8 – Eu, em
verdade, tenho-vos batizado com água; ele,
porém, vos batizará com o Espírito Santo.
Não citando os fariseus e
saduceus, nem a mensagem de advertência, omitiu-se o “fogo”.
Em Lc 3:2-3,6-9,16-17
temos:
v.2 – Sendo Anás e Caifás
sumos sacerdotes, veio no deserto a palavra de Deus a João, filho de Zacarias.
v.3 – E percorreu toda a
terra ao redor do Jordão, pregando o batismo de arrependimento, para o perdão
dos pecados;
v.6 - E toda a carne verá a
salvação de Deus.
v.7 – Dizia, pois, João à
multidão que saía para ser batizada por ele: Raça de víboras, quem vos ensinou
a fugir da ira que está para vir?
v.8 – Produzi, pois, frutos
dignos de arrependimento, e não comeceis a dizer em vós mesmos: Temos Abraão
por pai; porque eu vos digo que até destas pedras pode Deus suscitar filhos a
Abraão.
v.9 – E também já está
posto o machado à raiz das árvores; toda a árvore, pois, que não dá bom fruto,
corta-se e lança-se no fogo.
v.16 – Respondeu João a
todos, dizendo: Eu, na verdade, batizo-vos com água, mas eis que vem aquele que
é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno de desatar a correia das
alparcas; esse vos batizará com o Espírito Santo e com fogo.
v.17 – Ele tem a pá na sua
mão; e limpará a sua eira, e ajuntará o trigo no seu celeiro, mas queimará a
palha com fogo que nunca se apaga.
Notem que o evangelista Lucas,
embora não tenha feito uma menção direta aos fariseus e saduceus, descreveu todo o rigoroso
discurso de advertência de João Batista. Isso deixa claro que Lucas apresentou
a mensagem de João direcionada aos arrependidos e aos não arrependidos. Mas podemos inferir pelo texto de Lucas que os fariseus estavam presentes, pois há uma exortação direcionada aos judeus lhes ensinando que não deveriam ser arrogantes por serem filhos de Abraão (v.8 - confiram ainda com Jo 8:33). Sendo assim
ele descreve as palavras de João da seguinte forma:
v.16 – Respondeu João a
todos, dizendo: Eu, na verdade, batizo-vos
com água, mas eis que vem aquele que
é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno de
desatar a correia das alparcas; esse vos batizará com o
Espírito Santo e com fogo.
Lucas descreve a árvore que não
produz bom fruto e é queimada no fogo; descreve a palha que é queimada no fogo
que nunca se apaga e, portanto, descreveu a natureza do batismo para os não
arrependidos (com fogo).
Em Jo 1:29-33
temos:
v.29 – No dia seguinte
João viu a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira
o pecado do mundo.
v.30 – Este é aquele do
qual eu disse: Após mim vem um homem que é antes de mim, porque foi primeiro do
que eu.
v.31 – E eu não o
conhecia; mas, para que ele fosse manifestado a Israel, vim eu, por isso,
batizando com água.
v.32 – E João testificou,
dizendo: Eu vi o Espírito descer do céu como pomba, e repousar sobre ele.
v.33 – E eu não o
conhecia, mas o que me mandou a batizar com água, esse me disse: Sobre aquele
que vires descer o Espírito, e sobre ele repousar, esse é o que batiza com o
Espírito Santo.
O apóstolo e evangelista João,
traz a descrição sobre o batismo de Jesus, para o dia seguinte do
interrogatório de João Batista pelos fariseus (v.29). Analisando os quatro
evangelhos (que não são contraditórios, mas sim complementares) percebemos que,
num dia, João Batista vendo que os fariseus e saduceus vinham ao seu batismo,
fez o discurso de advertência. Ainda neste dia João Batista foi interrogado
pelos fariseus (Jo 1:19-28) e, no dia seguinte, Jesus veio para ser batizado.
Nesta ocasião o Evangelho de João não menciona a presença dos fariseus e é onde
encontramos a confirmação de João Batista:
v.33 – E eu não o
conhecia, mas o que me mandou a batizar com água, esse me disse: Sobre aquele
que vires descer o Espírito, e sobre ele repousar, esse é o que batiza com o
Espírito Santo.
Não havendo a presença dos
fariseus e saduceus, não há advertências, nem, tampouco, “o batismo com
fogo”.
Portanto, pela lei dos textos paralelos podemos concluir que “fogo” denota juízo e, por isso, está sempre associado a mensagem de advertência pela presença dos fariseus e saduceus (que foram, também, duramente advertidos por Jesus, por serem hipocritas).
Agora vamos fazer uma breve
análise segundo o princípio hermenêutico do “autor como elemento determinante
do significado”
3. Lei do
autor – Deve-se, sempre que possível, comparar outros escritos do mesmo autor em
estudo. Os autores bíblicos escreveram seus livros em épocas diferentes,
em lugares diferentes, sob circunstâncias diferentes... comparar os escritos de
autores que viveram em épocas semelhantes, também pode ajudar na interpretação do
texto.
Segundo este princípio, faremos
uma comparação dos escritos de Lucas que tratam deste assunto.
Com já vimos anteriormente, no
Evangelho segundo Lucas encontramos a pregação de advertência de João Batista
e, conseqüentemente, a distinção dos “batismos” (com o Espírito Santo e
com fogo). Se analisarmos o livro dos Atos dos Apóstolos, também de autoria de
Lucas, encontraremos no capítulo 1 a promessa do batismo por Jesus. E assim foi
descrita:
“Porque, na verdade,
João batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo,
não muito depois destes dias” (At 1:5)
Aqui cabe a pergunta: Por que
o evangelista Lucas disse em seu evangelho que seriam “batizados com o
Espírito Santo e com
fogo”, mas em Atos disse “sereis batizados com o
Espírito Santo” somente?
A resposta, mais uma vez, gira em
torno da questão: “quem eram os seus ouvintes?”
No Evangelho, Lucas menciona que
João Batista se dirigiu à multidão que vinha se batizar e sabemos pelos textos
paralelos que seu discurso foi motivado pela presença dos fariseus e saduceus
em meio à multidão. Já no livro de Atos, o discurso foi dirigido aos fiéis
discípulos de Jesus que o viram ressurreto. Estas ocorrências, mais uma vez,
apontam para a aplicação de “juízo” à palavra “fogo”. Quando a
mensagem foi dirigida aos arrependidos e não arrependidos, a afirmação foi “sereis
batizados com o Espírito Santo e com fogo”; quando a mensagem dirigia-se
somente aos arrependidos, a afirmação foi “sereis batizados com o Espírito
Santo”.
Além deste texto temos ainda as palavras do apóstolo Pedro descritas em At 11:16, quando ele dava testemunho sobre o batismo do Espírito Santo também sobre os gentios:
v.16 - E lembrei-me do dito do Senhor, quando disse: João certamente batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo.
Mais uma vez, quando a mensagem é dirigida aos discípulos fiéis o "fogo" é omitido.
E lembrei-me do dito do Senhor, quando disse: João certamente batizou com água; mas vós sereis batizados com o Espírito Santo
Atos 11:16
Atos 11:16
E lembrei-me do dito do Senhor, quando disse: João certamente batizou com água; mas vós sereis batizados com o Espírito Santo
Atos 11:16
Atos 11:16
E lembrei-me do dito do Senhor, quando disse: João certamente batizou com água; mas vós sereis batizados com o Espírito Santo
Atos 11:16
Atos 11:16
Conclusão
Tanto o contexto, quanto os textos paralelos e a análise do autor como determinante do significado, remetem ao “fogo do juízo” (o fogo que nunca se apaga) o significado do termo “fogo” em Mt 3:11. Jesus é quem batiza com o Espírito Santo e também quem batizará no fogo do juízo.
11 comentários:
um texto claro e profundo, que definitivamente apresentou um estudo esclarecedor sobre o assunto
Que bom que gostou, irmão! Fica na Paz do Senhor!
Caríssimo irmão, Dovan.
Segundo Bechara em sua Moderna Gramática Portuguesa, "tudo na lingua é semântico, isto é, tudo tem significado, que varia com o papel léxico ou puramente gramatical que as unidades linguisticas desempenham nos grupos nominais unitários e nas orações". Muito boa a tua explicação, aliás, o amado irmão W. Lee nos ensinou isso,deveria tê-lo citado em teu texto. Só para contextualizar um pouco:A hermenêutica não tem poder para eliminar ou desautorizar a gramática de qualquer lingua vernácula.
E muitos dos irmãos da minha igreja que leem essa passagem nao estudam sobre o assunto profundamente e almejam serem batizados no fogo, sendo que meu avo já me tinha dito que esse era fogo do juízo porem não quis acreditar e depois achei esse comentário em uma bíblia de estudo, muito obrigado irmão por me ter confirmado isso.
caro irmão pelo contexto fiquei esclarecido,muito obrigado,mais eu ainda tenho uma duvida a respeito de uma palavra,a letra ''e'',ela não deveria ser '' ou''?ele vos batizara com Espirito Santo e com fogo.ex'' vc vai receber uma benção e uma maldição'',não teria quer seu 'ou''?
Joilton, muito obrigado pelos acréscimos. Fica na Paz do Senhor!
Irmão de "A música em foco"
Que bom que eu pude ajudá-lo de algum modo. Obrigado pela visita. Fica na Paz do Senhor!
A Paz Senhor, Alan!
Desculpe a demora em responder, já fazia tempo que eu não verificava este blog.
Eu acredito que a palavra "e" no texto não traz nenhuma dificuldade à interpretação, já que todo o contexto nos esclarece a questão.
O certo é que o Senhor fará uma coisa e outra, mesmo que não faça as duas coisas para a mesma pessoa (creio que há exceções - Hb 6:4-8 - outro texto polêmico rsrs).
É isso.
Obrigado pela visita!!!
Graça e paz! Faz tempo que não via um esclarecimento tão didático, simples e claro sobre o assunto. Parabéns pelo texto e que Deus continue te usando mais e mais. Já coloquei o blog em favoritos aqui.
Irmão! permita-me copiar esse seu estudo, vou apresentar isso na escola dominical... Muito bom, gostei de verdade!
Yuri, sei que estou um pouco atrasado, mas fique a vontade para reproduzir o texto e usá-lo. Graça e Paz!
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